Cenário trouxe mais abertura do setor do agronegócio para tecnologias digitais, afirmam especialistas.

Um vídeo na internet para vender queijo branco, um drone para controlar ervas daninhas... A restrição a contatos pessoais motivada pela pandemia de Covid-19 tem levado muitos produtores agropecuários do Brasil a usar ferramentas digitais. Julio César Busato, à frente de um império agrícola de 40 mil hectares na Bahia, passava horas em estradas para percorrer suas propriedades ou se reunir com os membros da Associação de Produtores de Algodão do seu estado.

Nos últimos meses, ele descobriu as videoconferências e está decidido a manter esta prática, mesmo com o recuo da pandemia. "Vamos continuar muitas reuniões com esse sistema, pois funciona muito bem e temos uma facilidade maior para conversar com os fornecedores de insumos", explicou.

Busato também começou a se interessar por ferramentas especialmente concebidas para trabalhos agrícolas. "Para controlar a presença de pragas, eu utilizava fotos de satélites, mais caras e não muito precisas. Agora estou avaliando um aplicativo para identificar e mapear ervas daninhas que quero combater com drone para aplicar herbicida com mais precisão", detalha.

"As ferramentas digitais já estavam presentes e já existia sensibilidade para o uso delas, mas a pandemia atuou como acelerador", afirma Silvia Massruhá, diretora do departamento de Informática da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que oferece um sistema de gestão à distância de rebanhos de vacas leiteiras.

Para Marcelo Perreira de Carvalho, cofundador da plataforma de inovação agrícola AgTech Garage, "esse processo transcende à pandemia, mas o cenário trouxe mais abertura do setor do agronegócio para o novo".

Redes sociais

Os pequenos agricultores também começaram a adotar estas práticas. O empreendimento Elysios Agricultura Inteligente, lançado há cinco anos, desenvolveu um livro de registros digital, no qual o produtor anota cada etapa do trabalho e a evolução de seus cultivos. O registro pode ser consultado por sua cooperativa, os organismos de crédito e os assistentes técnicos.

"A adesão às novas tecnologias para otimizar a produção agora é mais vista como uma necessidade. Vimos um interesse crescente por nossas ferramentas, especialmente na questão da assistência porque o agrônomo tem acesso aos registros completos do produtor e pode auxiliá-lo à distância", explica Mario Apollo Brito, diretor comercial da Elysios, cujos 300 clientes produzem principalmente frutas e verduras.

As cooperativas, extremamente dependentes de programas de compras públicas que foram suspensos por causa da pandemia, também veem estas ferramentas de forma positiva para o manejo de sua produção.

"A rastreabilidade permite vender mais a partes do setor privado, cada vez mais exigentes em relação a isso", destaca Brito, que descarta qualquer recuo no processo de digitalização.

Essa também é a opinião de Robério Silva de Paiva, um pequeno agricultor de Sobradinho, perto de Brasília. "Mandamos fotos com nosso smartphone para o nosso técnico, que nos orientou de maneira mais rápida. Essa adaptação forçada, no final das contas, facilitou o nosso trabalho", afirma.

As redes sociais se tornaram fundamentais para manter e melhorar as vendas. Em Minas Gerais, Moacyr Carvalho Ferreira começava a comercializar seus laticínios artesanais em lojas ou de porta em porta, quando as medidas de confinamento interromperam sua atividade.

Um dia, sua esposa o filmou preparando queijo branco em sua cozinha e publicou o vídeo na internet. O sucesso foi instantâneo. "Eu vendi em quinze minutos o que vendia em uma semana. Agora, tenho uma base de clientes e minha produção já está reservada", conta Carvalho Ferreira, que espera incrementar sua comunicação digital e melhorar sua logística de entrega quando a pandemia passar.

Fica pendente o desafio do abismo digital nas zonas rurais.

Segundo o último censo agrícola, de 2017, só 30% das fazendas brasileiras têm acesso à internet. O custo das tecnologias também dificulta a adesão das que praticam a agricultura familiar (80% das produções brasileiras), acrescenta Massruhá, para quem "a capacitação e a adoção das ferramentas através das associações de produtores e das cooperativas" podem viabilizar esta transição.

Fonte: Correio do Povo /  Foto: Nelson Almeida / AFP