Desde 2015, 60% dos produtores de leite deixaram o setor, conforme pesquisa da Emater.

Nos últimos anos, um número crescente de produtores de leite gaúchos enfrenta um dilema: manter o ofício apesar de dificuldades como pouca renda, trabalho exaustivo e concorrência com importados, ou romper com tradições familiares de décadas e abandonar de vez a atividade.

Desde 2015, 60% dos trabalhadores rurais do setor escolheram a segunda opção e decidiram trocar o campo pela cidade ou apostar em outro tipo de lida, conforme um relatório socioeconômico divulgado pela Emater em 2023. Entre as razões mais comuns para a diáspora leiteira no Rio Grande do Sul estão o preço baixo por litro, dificuldade de conseguir mão de obra, alto custo de produção e desinteresse das novas gerações em assumir a sucessão familiar do negócio.

A localidade de Linha Sítio, no interior de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, ilustra a debandada que reduziu o número de estabelecimentos de 84,1 mil para 33 mil em apenas oito anos. Em uma vizinhança onde havia cinco propriedades com criação de gado leiteiro para atender à indústria, apenas uma mantém as vacas no cercado. As demais passaram a se dedicar a outros tipos de cultura, como plantio de grãos.

Um dos desistentes é o agricultor Maciel Görgen, 43 anos, que deixou de lado uma tradição familiar de meio século no setor lácteo para focar no cultivo de milho, soja e trigo.

— Como meus pais já têm certa idade, queriam deixar a propriedade para os filhos. Mas minha irmã mais velha e um cunhado que me ajudavam saíram, foram para a cidade, e acabei ficando sozinho. Minha mulher é professora, também não tem como ajudar, e fica inviável trabalhar 365 dias por ano, sozinho, tendo pouco retorno. Acordar todo dia antes das 5h para tocar tudo isso sozinho é muito difícil — justifica Maciel.

Em maio do ano passado, as últimas vacas deixaram o local e encerraram uma história iniciada em 1974, quando o pai de Maciel, José Silvério Görgen, comprou cinco animais em 24 prestações. Ao longo do tempo, o rebanho chegou a somar uma centena de bichos, e o trabalho manual de ordenha foi substituído por equipamentos eletrônicos que hoje se encontram parados e acumulando mofo nas mangueiras por onde chegaram a correr mil litros de leite a cada dia.

— Se o preço fosse bom, talvez até valesse a pena seguir lutando, talvez investir para facilitar o trabalho. Mas, do jeito que está, a gente trabalha só para trocar moeda. Recebe mais ou menos o que gasta para produzir — completa Maciel.

O engenheiro agrônomo Valdir Sangaletti, assistente técnico regional de sistema de produção animal e gestão da propriedade no escritório regional da Emater em Frederico Westphalen afirma que, no norte do Estado, há hoje produtores recebendo entre R$ 1,30 e R$ 2,30 pelo litro de leite vendido — um valor bastante abaixo do patamar de R$ 3,40 a R$ 3,50 que chegou a ser registrado em outros momentos.

— E a previsão é de que o preço se retraia mais um pouco ainda. O problema é que isso afeta principalmente pequenos produtores de pequenos municípios, onde a atividade é importante não só para as famílias, mas para o comércio local e a geração de empregos nas cidades — afirma Sangaletti.

As razões da desistência

Emater investigou razões mais comuns alegadas por quem deixou o setor leiteiro (respostas somam mais de 100% porque permitiam múltipla escolha).

  • Preço baixo 49,89%
  • Dificuldade de mão de obra 45,96%
  • Custo de produção 42,11%
  • Dificuldades na sucessão familiar 41,91%
  • Escala de produção 21,22%
  • Tamanho ou aptidão da propriedade 15,73%
  • Qualidade do leite 15,52%
  • Exigências das indústrias 14,32%
  • Energia elétrica 12,27%
  • Estradas 8,27%
  • Acesso a crédito 6,31%
  • Desinteresse das indústrias 4,41%

Fonte: GZH / MARCELO GONZATTO